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Casos de estelionato superam os de roubos no Rio; saiba quais são os golpes mais comuns

Dados do ISP mostram que foram 18.655 golpes aplicados em solo fluminense em janeiro e fevereiro, contra 16.169 assaltos no mesmo período - Conheça alguns dos principais golpes e saiba se proteger




RIO — Com o carro prestes a completar uma década de uso, o motorista de aplicativo X., de 26 anos, corria contra o tempo para trocar o automóvel e evitar a exclusão da plataforma, que proíbe modelos mais antigos. Atraído pelos preços menores, ele decidiu recorrer a um leilão on-line. Morador de Itaboraí, mas habituado a rodar pela capital, o rapaz escolheu um Renault Logan seminovo avaliado em R$ 43 mil, anunciado por menos da metade desse valor. O motorista venceu a disputa de lances, mas bastou fazer o pagamento por PIX para que os interlocutores sumissem , bem como o site em que foi realizada a transação, que — como ele só descobriu depois — simulava o endereço e a aparência de um leiloeiro legítimo. Pai de um filho de 3 anos, ele ficou sem carro novo, sem dinheiro e iminentemente sem trabalho.

— Era tudo o que eu tinha, e só porque peguei emprestado com parentes, para pagar depois de vender o carro atual. Ainda estou conseguindo rodar, mas sei que posso ser expulso a qualquer momento. Não sei como vai ficar a minha vida — desabafa a vítima, que registrou ocorrência na Polícia Civil no fim de janeiro. — A gente que trabalha dirigindo tem sempre medo de assalto, de passar por alguma situação de violência. Nunca aconteceu comigo, graças a Deus, mas aí acabo perdendo tudo desse jeito. É desesperador.


A experiência do motorista reflete-se nas estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP). De acordo com o órgão, o Estado do Rio registrou, pela primeira vez em duas décadas, mais casos de estelionato que de roubos nos dois meses que iniciam o ano. Foram 18.655 golpes aplicados em solo fluminense em janeiro e fevereiro, o equivalente, em média, a uma ocorrência a cada quatro minutos. O número supera os 16.169 assaltos computados no mesmo período — e estão incluídos na conta quaisquer tipos de roubo, desde o celular levado nas ruas até a carga tomada por criminosos. Disparada nos golpes


O total de estelionatos no primeiro bimestre de 2022 atingiu o patamar mais alto da série histórica, iniciada em 2003. A explosão nos golpes fica ainda mais escancarada na confrontação com 2021, que já havia registrado a triste marca, com 8.090 vítimas em janeiro e fevereiro. O salto em apenas um ano foi de 130,6%.


Há não muito tempo, em 2018, a comparação entre os dois crimes revelava um cenário completamente diferente. Na ocasião, os dois primeiros meses do ano registraram 40.612 assaltos, número mais de oito vezes maior que os 4.952 estelionatos. De lá para cá, se os roubos desaceleram gradualmente, caindo para menos da metade, os golpes também nunca pararam de subir, e em ritmo ainda mais veloz, quase quadruplicando.


— É um fenômeno nacional, não apenas do Rio. Hoje em dia, esses criminosos encontram as vítimas quase sempre pela internet, em um quadro que ficou ainda mais delicado com a pandemia. E, além de facilitar o contato com os alvos, a tecnologia também permite o uso de recursos que dificultam a identificação do golpista — afirma o delegado Alan Luxardo, titular da Delegacia de Defraudações (DDEF).

Responsável por apurar golpes de grandes proporções, a especializada lida, muitas vezes, com inquéritos que reúnem, sozinhos, dezenas ou até centenas de vítimas. É o caso do AutiBank, empresa do niteroiense Yuri Medeiros Correa, investigado pela suspeita de chefiar uma pirâmide financeira de alcance nacional. Ele já é réu por estelionato e organização criminosa até no Ceará.


Em fevereiro, com os pagamentos prometidos parados há semanas, uma caravana de clientes passou a procurar a Polícia Civil diariamente. Uma delas era Lucynara Louise Magalhães Medeiros Encarnação, de 42 anos. Moradora de São Gonçalo, ela e o marido contraíram empréstimos que somavam R$ 218 mil e repassaram ao AutiBank, que assumiria a quitação e ainda entregaria um lucro mensal sobre o montante aportado. Sem o retorno do investimento, restaram ao casal mais de R$ 12 mil em prestações todos os meses — valor que supera, e muito, toda a renda da família.


— Eu adoeci, estou tomando remédios. Tínhamos planos de comprar uma casa, porque meu marido ganhou uma herança, mas agora não temos mais nada. Acabou a poupança, o dinheiro guardado, tudo. Ele está vendendo moto, carro e caminhão que usa para trabalhar, mas não sabemos como será depois. Estamos brigando na Justiça, mas talvez nosso nome fique sujo, algo que nunca aconteceu com a gente — lamenta Lucynara.


Mais ações na justiça


Assim como ela, muitas vítimas de golpe, para além da investigação criminal, acionam a Justiça em busca de reparação. E a disparada nos casos também reflete-se na quantidade de ações correndo na esfera cível. Em 2017, magistrados do Rio proferiram 57 decisões de segunda instância, dentro de processos do gênero, nas quais constava a palavra “estelionato”, uma média de uma por semana. Desde então, esse número cresceu continuamente, chegando a 228 no ano passado — exatamente quatro vezes mais do que há cinco anos.


— Só na Região dos Lagos, mais de 20 empresas que diziam atuar no mercado de criptomoedas deixaram de pagar os investidores em 2021. Eram pessoas que ostentavam, que exibiam uma vida de luxo, com o intuito de atrair novas vítimas. Como a ocultação de patrimônio é comum nesses tipos de crime, recorrer à Justiça é, em geral, a última esperança de ressarcimento para quem foi lesado — explica o advogado Luciano Régis, que representa mais de 60 clientes de diferentes empresas acusadas de pirâmide financeira, como o AutiBank e a GAS Consultoria, de Glaidson Acácio dos Santos, o “Faraó dos Bitcoins”.

O melhor é prevenir


Especialistas e autoridades são unânimes ao defender que o caminho para conter o avanço dos golpistas passa por um endurecimento das penas. Hoje, o crime de estelionato comum pode acarretar de um a cinco anos de prisão — em vários casos, portanto, o condenado sequer vai para a cadeia.


— Muitas vezes, a gente trabalha incluindo outros tipos penais, como organização criminosa ou lavagem de dinheiro, o que acaba majorando o tempo de prisão — pontua o delegado Alan Luxardo.


Desde o ano passado, uma mudança na legislação estipulou punição maior para fraudes eletrônicas, de quatro a oito anos de reclusão, podendo aumentar em situações específicas. Hoje, há pelo menos seis projetos em tramitação no Congresso Nacional que versam sobre penas mais duras para estelionatários. Enquanto novas mudanças não vêm, a melhor resposta contra os golpistas é a prevenção.

— Na verdade, se proteger desse tipo de crime é mais fácil do que de um roubo na rua, mas exige um grau mínimo de conscientização. Dou palestras pelo Brasil inteiro e repito todas as vezes: desconfie sempre, de todo mundo. E busque informações confiáveis sobre cada passo da sua vida, em especial quando grandes somas de dinheiro estão envolvidas — discursa Gustavo Caleffi, especialista em gestão de riscos estratégicos e segurança.


Procurada, a Polícia Civil informou que “combate todo tipo de crime” e que, atualmente, “os índices são os menores da série histórica do ISP”. Em seguida, a nota reconhece que, “devido às circunstâncias da pandemia, os delitos de estelionato tiveram um aumento”. O órgão acrescenta que esses casos “estão sendo monitorados” e que “diversas operações com prisões aconteceram recentemente”.


Conheça alguns dos principais golpes e saiba se proteger


MOTOBOY: Depois de uma ligação relatar irregularidades, um suposto funcionário de banco vai até a vítima, que entrega o cartão. Ele é usado em transações até que o alvo perceba o ardil. Só aceite contatos por canais oficiais das instituições bancárias, que não enviam empregados a casa de clientes.


BOLETO FALSO: Uma fatura falsa é enviada por WhatsApp, e-mail ou correio, e o pagamento acaba na conta dos golpistas. Priorize boletos emitidos por canais oficiais e desconfie se o código de barras tiver falhas ou não for lido pelo celular.


EMPREGO: A partir de falsos anúncios de vagas, o criminoso cobra para liberar acesso a uma oportunidade que não existe. Descrições genéricas e sites desconhecidos devem gerar o alerta.


LINK POR SMS: Em desuso para conversas, a mensagem de texto ainda é muito utilizada por golpistas, que enviam links falsos, em geral com textos citando empresas ou marcas famosas. Fique atento a erros ortográficos, conteúdo truncado ou remetente com linha telefônica comum, de nove números.


Publicado no Jornal O Globo






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